domingo, 19 de fevereiro de 2012

Os proventos dos agentes do poder

mitos canalhas


Os governantes e os gestores públicos e privados argumentam com muita regularidade nos media que as personagens de topo nas organizações devem ser bem remuneradas, sob pena de não se conseguir dirigentes de qualidade. Porque os indivíduos competentes tenderão a emigrar, ou a não se comprometerem com o setor público e do estado, procurando quem lhes ofereça o valor "justo" pela qualidade do seu trabalho. Já ouvimos dizer publicamente (por um gestor, claro) que os gestores merecem todos os cêntimos que lhes pagam. Juntando isto à gafe dos 1300 euros e da vida miserável do prof Cavaco, mais a afirmação de Passos Coelho que se sente mal pago, às repetidas notícias de gente das direções partidárias que se desdobra por vários conselhos de administração, aos dirigentes públicos que saltam para as chefias de empresas públicas e privadas das áreas em que governavam e à notícia de hoje em que um investigador público inquiria sobre um processo de branqueamento de capitais, acabando por se tornar empregado do grupo que investigava, deparamo-nos com um mundo com uma ética muito duvidosa, quase criminosa.
Ingres, "retrato de Louis-François Bertin", 1832 

Desmintam-me se não tiver razão, mas estas reivindicações corporativas saem de indivíduos sem sentido de estado, sem a perspetiva da causa pública e sem preocupações de integração dos diversos grupos sociais e profissionais num projeto de país. Com nenhum respeito pelos contratos sociais que as suas instituições impuseram aos que não pertencem aos círculos de poder. Porque nestes, os direitos são para se manter, conforme declarações públicas de alguns dos seus representantes. Como tal têm um sentido da responsabilidade reduzido, pouca visão de estado e de futuro. Porque nunca foram verdadeiramente avaliados, confrontados e julgados pelos resultados das suas decisões e atos, sentem-se impunes, com poder discricionário e vaidosamente autoconfiantes. Por isso, num país em que o salário mínimo não chega aos 500 euros, temos dirigentes que ganham mais (em termos absolutos) que pessoas que têm os mesmos cargos e atribuições em países mais ricos, como o caso do governador do Banco de Portugal, face ao congénere americano. 

Defendem-se corporativamente e reproduzem-se em família, num círculo fechado e sem mecanismos de controle (as eleições de 4 em 4 anos, são apenas fumaça, não servem para discutir e avaliar nada de sério).

Quando alguém necessita de um canalizador, pretende um serviço profissional competente. Os pais pretendem que os professores ensinem e formem os filhos, um médico tem de saber e ter à sua disposição os meios e processos de cura, e por aí fora. Num país com projeto, querem-se profissionais competentes. A competência constrói-se permanentemente. Não há razão para apontar apenas para o cimo das empresas e departamentos de estado. Porque, se estes organizam estruturalmente, sem material humano não funcionam. E se o grau de responsabilidade da organização e gestão dos recursos é maior do que o funcionamento, os erros também têm outras consequências mais gravosas. 

Esta autonomeada elite dirigente deu provas da sua capacidade e competência? O atual estado de coisas foi criado pelos referidos canalizadores, professores, médicos e demais trabalhadores? Onde estão os responsáveis pela crise, os que não foram capazes de a prever e foram indolentes em atacá-la? 


Um governo que aplica religiosamente um plano externo do FMI e cuja função é extorquir dinheiro aos cidadãos, revela que competência especial? Segue a via usurária e avarenta mais primária, a mais fácil, não demonstra perspetiva de desenvolvimento (nem económico, quanto mais político/social).

Os dirigentes não merecem, de facto, o dinheiro e as mordomias que recebem.


                                                imagem do filme Oliver Twist, de Roman Polansky 


Luís, cidadão

3 comentários:

Silvares disse...

És muito meigo na forma como analisas esta cambada... és um cidadão exemplar até na boa educação. Isto só ia de cabrão pra baixo e de filho da puta pra cima!

Luís, cidadão disse...

Tenho de me confessar, é isso? Prometo arrepender-me destes meus pecados de ser meigo com os inimigos da cristandade republicana. É bem verdade que são filisteus e devem ser expulsos do templo.
Já não me lembro bem das orações, achas que não conseguirei a purificação?

Silvares disse...

Não sou sacerdote da coisa mas acho que tens boas hipóteses de ir para o Céu dos maledicentes.