sábado, 11 de fevereiro de 2012

o imperador tirano e o rei peida gadocha - o carnaval

Pieter Brueghel, "A luta entre o Carnaval e a Quaresma", óleo s/tela, 1559

Em tempos que já lá vão, num reino muito próximo de nós, o rei Coelho chamou os seus nobres conselheiros para mais uma sessão de trabalho. Estando todos reunidos no salão, mandou fechar as portas para ninguém ouvir nada do que se passava e perguntou: "Vamos lá a ver, que novas me trazeis para aforrarmos mais dinheiro para se pagar a dívida ao imperador?".
É importante dizer que naquele reino já não havia grande coisa por onde se pudesse espremer o povo, a não ser roubar-lhe diretamente a bolsa. O rei, com medo do imperador, tinha-se encarregue de sacar o possível, agora já se preocupava apenas com o impossível e fantasioso. Mas nada disto atrapalhava aquele conjunto de nobres conselheiros cheios de vontade.
Respondeu o nobre Gaspar, com a cara habitual de dores de estômago crónicas: "Já que a aristocracia não ligou àquela excelente ideia da meia hora de trabalho a mais, podíamos tentar outra medida parecida, ainda há algum espaço nos dias do ano". O estrangeirado nobre Pereira esbugalhou os olhinhos piscos e, com uma certeza que o seu duplo queixo não deixava perceber, afirmou perentório: "Temos o carnaval, a 3ª de carnaval, acaba-se com ela e são logo muitas horas!" Caíram-lhe os óculos no entusiasmo de mais uma brilhante conclusão.
O rei pensou, um momento apenas para não ficar com dores de cabeça, assentiu com a mão e falou: "Pois claro, como não nos tínhamos lembrado disso! O carnaval não é feriado obrigatório, o reino tem-se desleixado ao permitir que o povo folgue num dia não autorizado! Afinal o que é o carnaval?!"
Pensando que era uma pergunta, o conselheiro da educação que costumava ver o canal história, disse: "O carnaval é uma festa que vem dos tempos pagãos..."- "Pagãos, quê, comunistas?" interrompeu o rei Coelho - "Não, não, de quando ainda não havia Deus. É uma festa muito antiga, que tinha a ver com a chegada da Primavera e que o cristianismo tentou acabar, mas tinha tanta aceitação junto do povo que a deixou ficar no calendário religioso", acrescentou o conselheiro. E mais disse: "É uma altura do ano em que o povo pode criticar os nobres e o rei, disfarçando-se como no teatro para poder ridicularizar os erros dos poderosos, antes da..."- "Como assim?! Criticar? Ridicularizar?", atalhou o rei Coelho. "Nós não queremos nada disso, acabou! Começam por criticar e depois começam com ideias subversivas. A turba toda junta e na rua é perigosa! O povo deve ficar concentrado no trabalho para encher os cofres do reino. A dívida, tem de se pagar a dívida! Não deve ter nada que o distraia deste desígnio sagrado! O povo não tem querer, nós é que sabemos o que é bom para ele. Por isso é que é povo! Existe para trabalhar e alimentar o reino, não para ter ideias, nem direitos, onde já se viu!?".
Alguém sussurrou a medo:"Mas assim, tão em cima da hora, com os costumes feitos?" - "Claro, em cima da hora é tempo! Quanto aos costumes que os mandem para o lixo. Não tinham nada que perder tempo com coisas que não rendem. Para o ano já sabem que é desperdício e podemos decretar que o tempo gasto em festanças pode ser aproveitado em trabalho útil para o reino!", repreendeu o rei. Ouviu-se de outro lado: "Mas o povo vai aceitar?". "Claro que aceita, um povo com fome e doente aceita tudo e mais, estou farto de ouvir falar do coitadinho do povo. Está-me a cheirar que temos aqui uma cambada de piegas! Por acaso estamos em campanha eleitoral para nos preocuparmos com o povo?" - "Apoiado!", gritou o nobre Pereira,  caindo-lhe os óculos com o entusiasmo.
Toda a gente se calou e o rei retirou-se com o escrivão para ditar a lei carnavalesca. Os nobres retiraram-se  e alguns iam pensando que tinham sido previdentes em comprar antecipadamente bilhetes de avião para o carnaval de Veneza ou do Rio de Janeiro.

                                                        Miró, "O Carnaval de Arlequim", óleo s/tela, 1924/25


A crise contada às crianças
(as imagens retiradas da net têm a reprodução perfeitamente autorizada. Leitores, podeis usá-las nas vossas histórias)


Luís, cidadão



3 comentários:

the dear Zé disse...

e lá transformou o dia de Carnaval em 3ª feira magra, bem magrita por sinal.

já o presidente Silva tinha feito o mesmo aqui à uns anitos, é coisa que lhes está na massa do sangue. provavelmente é mesmo isso, é para não serem ridicularizados...

Silvares disse...

Se queriam tomar uma atitude proibiam a música que se passa nesta época do ano, caraças, isso sim, isso eu apoiava. Fico f***** quando entro num supermercado e tenho de andar a escolher a fruta ao som do "há quem diga que a cachaça é água..." puta que pariu!!! Não há pachorra para esta porcaria.

Luís, cidadão disse...

Há uma petição pública contra a cachaça de água, a favor do moscatel de álcool. Sem barulho, discreta e aconchegante.

Por acaso também acho que esta gente não deve gostar muito de se ver nos carros alegóricos. Tenho ideia que não levam a bem...