terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Está n'a parede

"fotografias de férias, ou, pretoazul"
série de 140 desenhos, técnica mista sobre cartolina de 6cm de diâmetro.


As férias são um tempo em que os constrangimentos profissionais e sociais se atenuam, procurando-se o maior afastamento dos espaços e tarefas quotidianos. São uma tentativa de corte com as rotinas e implicam, pelo menos ilusoriamente, a apropriação individual, o domínio, do tempo e do espaço que nos escapa durante o resto do ano. Fazem-se então as fotografias de férias que servem como testemunho dessa deriva. Com a tecnologia atual tende-se a fixar imagens em catadupa, que posteriormente se esquecem num canto da memória do computador. Imagens que interessam quase exclusivamente a quem as produziu, porque apenas vivem coladas à memória das experiências vividas nas férias. Imagens que acabam por banalizar aqueles momentos que se consideraram especiais e que, com a imensidade dos registos à disposição na net, pouco ou nada acrescentam ao conhecimento dos locais onde as férias foram passadas. As fotografias de férias tornam-se uma coisa em que o indivíduo pretende deixar uma marca, mas que se tornam na sua própria obsolescência e apagamento.


Este projeto, ao invés, pretende a recuperação dessa afirmação de liberdade que resulta dum domínio dos movimentos no espaço e no tempo. Obrigam a um registo oficinal dum tempo próprio e pessoal, deixam a marca da possibilidade duma autoreflexão e dum agir individualizado. Amplia o conceito de férias, retirando-lhe aquela componente oficial do mês em que se pode não trabalhar. Podemos ter férias durante uma hora no nosso bairro. Basta que o tempo e o espaço sejam projetados por nós e que a sua ocupação resulte da nossa vontade.


Por isso as "fotografias de férias", são desenhos feitos em tampinhas das embalagens de gelados, trabalhados com materiais portáteis (esferográfica, tinta da china, pastel, lápis de cor, acrílicos, raspados com goivas ou x-ato) e foram iniciados num café do bairro, numa espera de repartição pública, num cinema antes da sessão e também nas férias. 
Os próprios desenhos são arrecadados em latinhas circulares que se guardam no bolso, conferindo-lhe uma leveza de transporte, logo uma possibilidade fácil de partilha em espaços diferentes, com gente diferente. Podem-se tornar no motivo das férias e não apenas o resultado, adquirindo um aspeto justificativo duma intencionalidade da circulação e apropriação dos espaços.


Luís, cidadão  

3 comentários:

Zeca disse...

O mais fantástico desta coisa é esta frase:
"Basta que o tempo e o espaço sejam projetados por nós e que a sua ocupação resulte da nossa vontade."
... e isto resumiria a vida a um estado de felicidade!
Apoio totalmente :-)

the dear Zé disse...

"6 cm de diâmetro" ?! e fornecem lupa?

Luís, cidadão disse...

Lupa? É evidente, os fundos dos copos de tinto. Basta pedir ao balcão. Também se fornecem lanternas, para visitas noturnas. Ao fim de semana há visitas guiadas em pequenas filas, com holofotes.

Zeca, tenho-me vindo a aperceber que é nessa direção que o meu trabalho tem caminhado, seja o de desenho, seja o de fotografia. É um ponto que encontro em comum nos projetos. Dava outra discussão noutra altura, vamos ter oportunidade de voltar ao assunto. Mas é por causa destes diálogos que o Cidadão Exemplar é interessante, enquanto a maior parte dos projetos que por aqui circulam não têm direção, porque não têm ideias.