sexta-feira, 27 de abril de 2012

O 25 de Abril e o pragamtismo


Meu caro 25 de abril

Agora que acabaram as festividades, os discursos inflamados e as polémicas (bastante oportunas, bem vistas as coisas, foram uma pedrada no charco deste pântano estranho em que nos atolámos), queria desejar-te os parabéns pelos teus 38 anos.
Lamento encontrar-te tão maltratado. Bem sei que não é a 1ª crise que suportas e foste sobrevivendo às anteriores, mas esta parece-me a mais grave e não se vêem tratamentos eficazes. Os que te apoiam andam desnorteados, produzem declarações dramáticas em tua homenagem, mas parecem estar encharcados em sedativos que lhes paralisam o cérebro e a imaginação. Talvez sejam os cabelos brancos a sugar-lhes os restos da energia que os tornaram disponíveis e voluntariosos há anos atrás. Perderam o viço e a espontaneidade para agirem, para construírem algo que valha intensamente a pena. Os que te consomem não sabem o que fazer contigo e vão-te desejando cadáver, levando-te a uma morte rápida mascarada de morte lenta. Para eles não passas de um empecilho que, apesar de esvaziado de saúde, ainda dá trabalho. Tratam-te como um chato que se deveria calar definitivamente e desaparecer em seguida pela indiferença e pelas provocações arrogantes. Querem mesmo "fazer-te a folha", porque os verdadeiramente poderosos não ligam a coisas de somenos e querem resultados que não atrapalhem o seu poder discricionário.


Lembro-me, numa das tuas primeiras crises, de os democráticos mandantes e os seus formadores de consciências diagnosticarem até à náusea que o teu problema era o excesso de ideologia. Diziam eles que esse excesso dificultava a caracterização dos verdadeiros problemas, paralisava as aplicação das medidas corretas e dividia a sociedade, impedindo a sua necessária modernização. Afogar-nos-íamos em polémicas estéreis e tu num obscurantismo igual ao do Estado Novo.

O remédio seria adotarmos uma atitude "pragmática".

O pragmatismo é uma corrente filosófica que nega a possibilidade dos conceitos formulados pelo intelecto representarem convenientemente a realidade. Defende que as teorias e o conhecimento só são verdadeiros se agirem sobre a realidade, transformando-a de acordo com as espectativas. Tem um sentido prático que é a sua adequação às necessidades humanas nos seus diferentes contextos. Mas não se reduz à mera defesa do que é prático ou útil, sob o ponto de vista instrumental e imediatista. Afirma que se deve considerar como verdadeiro aquilo que melhor contribuir para o bem estar da humanidade a longo prazo. O pragmatismo não é um relativismo em que se dissolvem as crenças e os valores humanos numa praticismo funcional e utilitário.
Mas foi mesmo este pragmatismo abastardado que foi sendo praticado desde então. Sob o argumento da eficácia foram-se desestruturando formas de pensar e de olhar o mundo, do que resultou uma visão fragmentária e desconexa da vida que isolou as pessoas e as fez olhar quase exclusivamente para o umbigo dos seus pequenos problemas, levando-as a perder a perspetiva de que futuro seria desejável. A crítica à ideologia não é mais que uma ideologia que visa confundir e retirar a capacidade crítica. É a ideologia do poder que confina as suas políticas em gavetas estanques, onde as suas contradições possam passar impunes pois apagaram os modelos que permitiriam observá-las globalmente, deixando campo à retórica de conveniência como afirmação da sua medíocre verdade.


E foi este pragmatismo de gente pouco culta, inchada de autoconvencimento vaidoso, deslumbrada pelas moradias do poder, com tiques dum novo-riquismo modernaço e cheio de mordomias, que dirige os destinos de uma população queixosa, empobrecida, inculta e doente, mas inerte como uma lesma, que originou a tua asfixia debilitante atual. Falam inclusive em suspender-te, o que é um paradoxo, pois voltar-se-ia rapidamente contra muitos desses agentes de poder, porque já se verificou que estão a mais e são ineficazes. Só por lá andam porque são lapas agarradas às cadeiras forradas, alimentadas pela bajulice melosa.

A comemoração do teu aniversário, sinceramente, às vezes faz-me lembrar um auto-de-fé, tantas barbaridades são ditas em tom solene.

Desejo-te melhores dias, embora não sabendo também como isso se tornaria efetivo.

Se não for antes, encontramo-nos de novo no ano que vem, mesmo que o teu dia não seja feriado.

Luís, cidadão

6 comentários:

the dear Zé disse...

ora aqui está um posto muito bem postado. e pensado.

Silvares disse...

Proponho um churrasco de pragmatista quando festejarmos o 1º aniversário do Cidadão Exemplar!

Chapa disse...

Muito pragamático, assim como uma praga de mosquitos, ou talvez de gafanhotos, que também comem tudo.

luís, cidadão disse...

Desde que o churrasco não saiba a papel de livro, nem seja só osso (pragmática da crise), e que o acompanhamento não seja de salada de gafanhoto, até alinhava, caso o néctar esteja à altura do que pomos na prato, é claro|

the dear Zé disse...

então e o pragmatismo filho da puta do pingodoce?!!!

Luís, cidadão disse...

Valia a pena também refletir no pragmatismo filho da puta do público que fez filas de horas, limpou as prateleiras várias vezes, alugou carrinhos a outros pragmáticos negociantes para enfiar tudo o que lhe veio às mãos e saiu contente (quem comprou, os outros saíram frustrados à beira da consulta psiquiátrica) por ter aproveitado mais um feriado de modo construtivo.

Também se pode aproveitar o exemplo para ocupar os desempregados. Enquanto estão na fila não chateiam e até podem gerar novas oportunidades de negócio: alugar carrinhos vindos da concorrência, vender senhas para entrada, organizar filas que passem por outros estabelecimentos próximos (cafés, p.ex.), segurança, assistência médica e reanimação, distribuição de água engarrafada ou fresquinha da bilha de barro, animação de rua e por aí fora.

Como se vê a atitude inovadora desta empresa holandesa tem potencialidades de negócio e de dinamização da economia. Gera postos de trabalho e pode contribuir com receitas fiscais, animando as magras finanças públicas.

Foi um dia do trabalhador muito instrutivo.