quinta-feira, 8 de março de 2012

Visto daqui



O que se passa com os deputados portugueses quando se trata de legislar sobre as questões da chamada “transparência” no exercício de cargos públicos e das suas relações com carreiras políticas? Porque não conseguem eles chegar a um consenso que sossegue o povinho e restitua à classe que representam alguma dignidade, mesmo que não seja muita? 

Sempre que a questão é levantada no parlamento há deputados que coram e se esganiçam em declarações inflamadas sobre receber ou não receber lições de honestidade e bons princípios vindas dos deputados que se sentam do outro lado do hemiciclo. 

Discutem, engasgam-se, quase se insultam, suam um bocadinho e, pronto, adia-se qualquer coisa que se pareça com uma decisão. Andam para ali, transportando “pacotes legislativos” de um lado para o outro, como moços de recados a mando não se percebe de quem. Ninguém recebe lições de ninguém e o regabofe continua. 

Eles são ex-ministros que se deslocam da sua cadeira no governo para outra cadeira, mais acolchoada, numa qualquer empresa pública ou público-privada, ex-deputados que fazem o mesmo (mas nunca o contrário), 
deixando o pessoal à beira de um ataque de nervos porque tudo nos parece demasiado opaco, demasiado desonesto, em suma, porque estas danças macabras têm todo o aspecto de ser valentes vigarices que se dançam impunemente e à vista de toda a gente. Os deputados discutem, discutem, discutem e, visto daqui, fica-se com a impressão de que fazem tudo o que for necessário para que nada se altere de facto e tudo fique exactamente na mesma. Uma choldra! 

É, talvez, por situações como esta que a curiosidade sobre o processo judicial que envolve o ex-primeiro-ministro islandês é tão grande. Os simples cidadãos, eleitores desarmados, anseiam por um “pacote” legal que imponha limites éticos perceptíveis aos negócios que os governantes fazem durante e, principalmente, após o exercício dos mandatos que recebem quando são eleitos. 

Bem pode Francisco Assis insurgir-se contra a perigosidade deste processo (Público de 8 de Março) que poderá colocar em causa os fundamentos da democracia pluralista e do estado de direito. Pessoalmente até concordo com ele: é perigoso. Mas, por outro lado, parece-me necessário que haja alguma forma de chamar os agentes políticos à realidade, obrigando-os a cumprir as suas funções honestamente, nem que seja à bofetada. 

Chegámos a um ponto em que a situação parece exigir medidas drásticas; e se os deputados nunca chegarem a um consenso e continuarem, indefinidamente, a transportar “pacotes” de um lado para o outro?

O processo islandês e o eterno transporte de “pacotes de transparência” que os deputados portugueses continuam a fazer para lado nenhum podem parecer coisas diferentes mas, vistos daqui, começam a parecer contas do mesmo rosário.

RSXXI

1 comentário:

cidadão concordante disse...

Isto é uma questão muito antiga, cultural e que está nos genes dos povos com a tradição papal e da contrarreforma. Quem sobe aos patamares do poder auto assume-se como pertencendo a outro patamar de vida social. Chegou ao topo! Como tal, o seu papel e a sua atividade não se regem pelas normas comuns, que são impostas aos outros cidadãos. A elite auto esclarecida, porque detém o poder, acha que detém a sabedoria e a capacidade de resolver os problemas. Limitar-lhe os direitos e as ações, pensa ela, é limitar o alcance do seu trabalho, logo travar os procedimentos e políticas que podem tornar a sociedade mais perfeita.

Durante muitos anos foi assim, porque os povos eram analfabetos e pouco informados. Continuar com a atitude de novo riquismo intelectual (e financeiro) revela uma elite medíocre, redonda de auto estima, mas procurando esquecer que o aumento de escolaridade do séc XX colocou no campo dos dominados muita massa crítica. Alguma dela tão informada, capaz e experiente como os políticos e técnicos dos organismos públicos e privados. Conheço pessoalmente alguma dessa gente e, azar meu com certeza, não lhes reconheço mérito algum de especial que os torne diferentes.

Falta-lhes humildade e capacidade para ver para além das portas dos gabinetes, dos carros, restaurantes e dos muros das vivendas. E porque se retiram da vivência da realidade mais geral convencem-se que são de outra cepa. E como são bajulados pelos que os rodeiam ficam com a certeza de que essa impressão passa a ser facto.

Flatulências eminentes que não entendem que, se estão num cargo com determinadas atribuições, têm de cumprir com o normativo que se estabeleceu e apresentar resultados do seu trabalho.