O que se passa com os deputados portugueses quando se trata
de legislar sobre as questões da chamada “transparência” no exercício de cargos
públicos e das suas relações com carreiras políticas? Porque não conseguem eles
chegar a um consenso que sossegue o povinho e restitua à classe que representam
alguma dignidade, mesmo que não seja muita?
Sempre que a questão é levantada no
parlamento há deputados que coram e se esganiçam em declarações inflamadas
sobre receber ou não receber lições de honestidade e bons princípios vindas dos
deputados que se sentam do outro lado do hemiciclo.
Discutem, engasgam-se, quase
se insultam, suam um bocadinho e, pronto, adia-se qualquer coisa que se pareça
com uma decisão. Andam para ali, transportando “pacotes legislativos” de um
lado para o outro, como moços de recados a mando não se percebe de quem. Ninguém
recebe lições de ninguém e o regabofe continua.
Eles são ex-ministros que se
deslocam da sua cadeira no governo para outra cadeira, mais acolchoada, numa qualquer
empresa pública ou público-privada, ex-deputados que fazem o mesmo (mas nunca o
contrário),
deixando o pessoal à beira de um ataque de nervos porque
tudo nos parece demasiado opaco, demasiado desonesto, em suma, porque estas
danças macabras têm todo o aspecto de ser valentes vigarices que se dançam
impunemente e à vista de toda a gente. Os deputados discutem, discutem,
discutem e, visto daqui, fica-se com a impressão de que fazem tudo o que for
necessário para que nada se altere de facto e tudo fique exactamente na mesma. Uma
choldra!
É, talvez, por situações como esta que a curiosidade sobre o
processo judicial que envolve o ex-primeiro-ministro islandês é tão grande. Os simples
cidadãos, eleitores desarmados, anseiam por um “pacote” legal que imponha
limites éticos perceptíveis aos negócios que os governantes fazem durante e,
principalmente, após o exercício dos mandatos que recebem quando são eleitos.
Bem pode Francisco Assis insurgir-se contra a perigosidade
deste processo (Público de 8 de Março) que poderá colocar em causa os
fundamentos da democracia pluralista e do estado de direito. Pessoalmente até
concordo com ele: é perigoso. Mas, por outro lado, parece-me necessário que
haja alguma forma de chamar os agentes políticos à realidade, obrigando-os a
cumprir as suas funções honestamente, nem que seja à bofetada.
Chegámos a um
ponto em que a situação parece exigir medidas drásticas; e se os deputados
nunca chegarem a um consenso e continuarem, indefinidamente, a transportar “pacotes”
de um lado para o outro?
O processo islandês e o eterno transporte de “pacotes de
transparência” que os deputados portugueses continuam a fazer para lado nenhum
podem parecer coisas diferentes mas, vistos daqui, começam a parecer contas do
mesmo rosário.
RSXXI
RSXXI
1 comentário:
Isto é uma questão muito antiga, cultural e que está nos genes dos povos com a tradição papal e da contrarreforma. Quem sobe aos patamares do poder auto assume-se como pertencendo a outro patamar de vida social. Chegou ao topo! Como tal, o seu papel e a sua atividade não se regem pelas normas comuns, que são impostas aos outros cidadãos. A elite auto esclarecida, porque detém o poder, acha que detém a sabedoria e a capacidade de resolver os problemas. Limitar-lhe os direitos e as ações, pensa ela, é limitar o alcance do seu trabalho, logo travar os procedimentos e políticas que podem tornar a sociedade mais perfeita.
Durante muitos anos foi assim, porque os povos eram analfabetos e pouco informados. Continuar com a atitude de novo riquismo intelectual (e financeiro) revela uma elite medíocre, redonda de auto estima, mas procurando esquecer que o aumento de escolaridade do séc XX colocou no campo dos dominados muita massa crítica. Alguma dela tão informada, capaz e experiente como os políticos e técnicos dos organismos públicos e privados. Conheço pessoalmente alguma dessa gente e, azar meu com certeza, não lhes reconheço mérito algum de especial que os torne diferentes.
Falta-lhes humildade e capacidade para ver para além das portas dos gabinetes, dos carros, restaurantes e dos muros das vivendas. E porque se retiram da vivência da realidade mais geral convencem-se que são de outra cepa. E como são bajulados pelos que os rodeiam ficam com a certeza de que essa impressão passa a ser facto.
Flatulências eminentes que não entendem que, se estão num cargo com determinadas atribuições, têm de cumprir com o normativo que se estabeleceu e apresentar resultados do seu trabalho.
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